Até que o tempo fechou
O golpe militar que se consumou no dia 1º de abril de 64 foi apoiado maciçamente pela imprensa, menos pelo diário Última Hora, fiel ao governo deposto. Mas, pouco a pouco, muitos desses jornais foram passando para a oposição, procurando driblar a censura, fazendo vazar a informação nas entrelinhas, nos efeitos gráficos do "jogo de armar" da diagramação.
O Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, deu significativos exemplos dessa "arte de resistência".
O noticiário sobre a promulgação do AI-5, em 1968, entre outros artifícios textuais, foi ilustrado com uma extemporânea fotografia da expulsão do jogador Garrincha, na Copa de 62. O atleta era popularmente conhecido como "a alegria do povo".
Em 1973, proibido de dar manchetes ou fotos sobre o assassinato do presidente chileno Salvador Allende, o editor-chefe decidiu ocupar toda a primeira página com um texto composto no maior tamanho de letra disponível. A montagem gráfica produziu um efeito impactante, sugerindo tanto uma mão espalmada, em gesto de defesa, quanto um punho cerrado, em atitude de resistência.
O clima de euforia gerado pela conquista do tricampeonato mundial de futebol e os ganhos econômicos do "Milagre Brasileiro" - expectativa de ascensão social e um "fusquinha" na garagem - conviveram com o auge da repressão ideológica e política.
Ao vivo, Congresso fechado. Nos bastidores, tortura e morte
A crise financeira mundial decorrente da crise do petróleo, a partir de 1974, impôs o lento caminho da abertura "gradual e segura", abalada pelos episódios dos assassinatos, na carceragem do II Exército, em São Paulo, do jornalista Vladimir Herzog e do operário Manuel Fiel Filho.
Igrejas, agremiações populares, as sedes da OAB e ABI e bancas de jornais que vendiam publicações da imprensa alternativa e "comunista" sofreram atentados. Até que, no show em homenagem ao 1º de Maio de 1981, literalmente, a bomba explodiu... no colo dos militares do Exército emboscados no estacionamento.
O atentado do Riocentro foi o divisor de águas do terror de direita.
A apuração jornalistica, JB à frente, expôs a farsa do discurso oficial, sustentada pelo comando do I Exército. Nessa versão, pioneira fake news, eram "terroristas de esquerda" os responsáveis pelo ato criminoso.
Em 1982, o país reconquistou, em parte, o direito de voto. Na cobertura das eleições para o governo do Estado do Rio de Janeiro, vencida por Leonel Brizola, foi também um marco na história da imprensa. O caso "Proconsult", um esquema de fraude para beneficiar o candidato da ditadura, foi desvendado pelo "sistema JB" (rádio e jornal), garantindo a lisura e o respeito à vontade do cidadão.
A campanha pelas "Diretas Já", a partir de 1983, reuniu multidões em grandes eventos na Candelária, no Rio de Janeiro e na Praça da Sé, em São Paulo, expôs fraturas e jogos de poder no campo jornalístico: uns empenhados na cobertura independente, outros insistindo em mistificar o irreversível movimento de retorno às normalidades democráticas.
Ao sabor de avanços e refluxos políticos, uma solução de compromisso selou o fim do regime militar.
Em 1985, por via indireta, o Colégio Eleitoral de Brasília elegeu Tancredo de Almeida Neves, como presidente constitucional do Brasil.
Internado às pressas, na véspera da cerimônia de posse, Tancredo faleceu no dia 21 de abril, coincidentemente a data histórica do suplício de Tiradentes. A presidência caiu no colo do vice José Sarney, figura pública que marchou todo o período da ditadura como aliado dos militares.
Ainda assim, o país acordava da "longa e tenebrosa noite", no dizer do jornalista botafoguense João Saldanha. O que aconteceu com a imprensa a partir daí merece uma(s) nova(s) exposições.
Niterói, 31 de março de 2014.